Território de Yukon e região de Niágara. Duas porções do Canadá tão distantes entre si e ao mesmo tempo igualmente apaixonantes. Uma é gigante, com duas vezes o tamanho do estado de São Paulo. A outra é minúscula, um pouco maior que a cidade do Rio de Janeiro. Yukon fica tão ao norte que beija o Círculo Polar Ártico. Niágara é tão ao sul que já foi invadida pelos Estados Unidos. Na primeira, apesar do tamanho colossal, vivem menos de 38 mil pessoas. A segunda, mesmo diminuta em área, abriga quase 500 mil habitantes fixos e 12 milhões de visitantes por ano.

No Território de Yukon, você encontra natureza exuberante, muita história e uma infraestrutura turística surpreendente. Na região de Niágara também. E qual delas visitar na sua próxima ida ao Canadá? As exuberantes Montanhas Saint Elias ou as festejadas Cataratas do Niágara? A beleza selvagem dos arredores de Whitehorse ou o cenário de conto de fadas de Niagara- on-the-Lake? Bem, leia a seguir o relato da nossa jornada por ambos os recantos canadenses e tome sua decisão. Melhor ainda: dê um jeitinho de conhecer tanto um como o outro – essa é a melhor escolha, pode acreditar.

Yukon, o ouro do Canadá

Durante o voo de duas horas rumo ao norte, desde Vancouver, a curiosidade aumentava na mesma medida da latitude. Apesar de já ter visitado o Canadá algumas vezes, sabia muito pouco sobre Yukon.“Tudo bem, quase ninguém sabe muito sobre nós”, disse meu guia Stephen, enquanto eu o bombardeava com perguntas, já em solo, no caminho do pequeno aeroporto de Whitehorse até o Gold Rush Inn, o charmoso hotel onde me hospedei por quatro dias.

De fato, Yukon é pouco familiar mesmo aos canadenses, que raras vezes saem da faixa populosa do sul do país para visitar o norte. Um equívoco imperdoável, como eu viria a constatar a seguir. Esta é uma terra de emoções inconfundíveis, como a de encontrar um urso no meio da estrada, ver o sol à meia-noite no verão, embasbacar-se com a aurora boreal no inverno ou pousar de avião numa geleira em qualquer época do ano.

Minha jornada começou pela própria Whitehorse, a capital. Com 27 mil habitantes, ela tem ruas amplas, dispostas de forma bem organizada ao longo do Rio Yukon, a artéria pela qual o progresso chegou outrora. Construções históricas, como o próprio Gold Rush Inn, remontam a uma era de ouro – literalmente falando. Ou seja, ao período entre 1896 e 1899, quando mais de 100 mil aventureiros vieram de todas as partes da América do Norte em busca das jazidas de ouro e outros minerais preciosos – evento que ganhou o nome de Corrida do Ouro de Klondike. Não faltam referências a esses tempos insanos em singelos museus como o Copperbelt Railway & Mining Museum ou seu primo mais famoso, o Mac-Bride Museum of Yukon History.

Museu histórico de Yukon | foto: Paulo Mancha

Há também marcos da riqueza que perdurou pelas décadas seguintes, como o SS Klondike, um navio de 1929 que hoje está em terra, convertido em museu. O Klondike lembra muito aqueles vapores de roda do Rio Mississippi, nos Estados Unidos. Com a diferença de que navegava em águas geladas, transportando mantimentos e pessoas entre Whitehorse e as minas, em pontos remotos e inóspitos do noroeste do Canadá.

Que tal pousar numa geleira?
Aliás, haja pontos remotos e inóspitos! A maioria é, hoje em dia, alvo do turismo, como as Montanhas Saint Elias, quase na fronteira com o Alasca. Essa região de paisagens selvagens e dramáticas é um dos lugares mais difíceis de atingir do planeta. Ou era, até que as companhias de voos panorâmicos trouxessem seus aviões para cá.

Eu experimentei o passeio de uma dessas empresas, a Icefield Discovery, que leva os visitantes a um sobrevoo eletrizante pelas Montanhas Rochosas e a um pouso não menos arrebatador no glaciar Hubbard – o maior campo de gelo não polar do mundo. Tudo é feito a bordo de um monomotor para seis passageiros, com esquis para neve em vez de rodas, pilotado com destreza por aviadores experientes. Afinal, não é nada fácil enfrentar o chamado vento catabático – aquele que se forma nas áreas mais altas das montanhas, a mais de 4 mil metros, e desce acompanhando o relevo, de forma pouco previsível. A emoção do voo de meia hora, somada à sensação de isolamento após o pouso na geleira, é algo absolutamente inesquecível. E a cereja do bolo é ver no horizonte, ali pertinho, o Monte Logan, ponto culminante de todo o Canadá, com seus 5.959 metros de altitude.

Sobrevoo no glaciar Hubbard | foto: Paulo Mancha

Achou a aventura bacana? Há muito mais. A descida do Rio Yukon numa canoa, por exemplo, é oferecida por várias operadoras locais. Ou a visita ao Yukon Wildlife Preserve, um parque onde o visitante pode avistar nada menos que 13 espécies de animais selvagens característicos do norte do Canadá. Tem alces, caribus (as espertas raposinhas do Ártico, com sua inconfundível pelagem branca) e o lince canadense (o único felino que pode ser encontrado além do Círculo Polar Ártico). Há asseios de van, cavalo, bicicleta, a pé ou, no inverno, de esquis. E não raro, no caminho para a reserva, você se depara com ursos cruzando a estrada. Ali, afinal, é o território deles, não o nosso.

Um trem para o passado
Um dos momentos mais marcantes da jornada por esse território canadense tão remoto foi a viagem pela ferrovia White Pass & Yukon Route – histórica rota famosa pela Corrida do Ouro. O passeio em um trem de época vai de Skagway, no Alasca, até Whitehorse, em Yukon, cruzando também parte da província de British Columbia.

Ferrovia White Pass & Yukon Route | foto: shutterstock

Não bastasse o romantismo do trem em si, as imagens são inigualáveis, com bosques, montanhas nevadas, lagos a perder de vista e até represas feitas por castores. Isso sem falar em recantos históricos como a cidade-fantasma de Bennett – um dos principais pontos de apoio dos aventureiros da Corrida do Ouro, no final do século 19. Ali ficava o Arctic Hotel, um dos primeiros empreendimentos de Friedrich Trump, avô de ninguém menos que o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Desci do trem no vilarejo de Carcross, um lugar singular marcado por um grande deserto (parece o Saara), mas com a diferença que fica em meio a uma floresta temperada, o que é raríssimo de se ver. E não tem nada a ver com atividade humana: ele surgiu naturalmente há milhares de anos, com o recuo das geleiras após a última glaciação.

Carcross é também um notório centro de artesanato dedicado aos povos nativos. Por sinal, no Yukon do século 19, é flagrante o esforço de resgate da cultura indígena. Ou melhor, das First Nations (“nações pioneiras”), como eles respeitosamente chamam as diversas tribos locais. Praticamente todos os povoados têm um centro de tradições nativas.

Em Whitehorse, onde comecei e terminei minha jornada, não poderia ser diferente. Ali está o Kwanlin Dun Cultural Centre, um enorme pavilhão de exposições e atividades que ferve em julho, quando se realiza o Adaka Cultural Festival.

Na celebração deste ano, o tema central foi o resgate da arte de construção naval. Entre espetáculos de música e dança, diversas etnias elaboraram projetos e fabricaram canoas dos mais variados tipos – desde as feitas com peles de foca, típicas dos esquimós, até as esculpidas em enormes troncos de madeira, dos povos originários do sul do Canadá. Mais do que isso, o festival Adaka prega a integração de nativos do mundo todo. Assim, dentre os artesãos, havia uma delegação da nação maori, da distante Nova Zelândia. Eles construíram seu barco, navegaram ao lado dos canadenses pelo Rio Yukon e protagonizaram uma espetacular apresentação de dança em conjunto com o povo pioneiro de Yukon.

Adaka Cultural Festival | foto: Paulo Mancha

No final, me vi batendo papo sobre canoas caiçaras de Ubatuba (SP) com um artesão da nação tlingit, enquanto ele finalizava seu barco moldado com couro de alce. Yukon tem um espírito próprio e ele contagia todos.

O espetáculo da Aurora Boreal
Yukon
está entre os cinco melhores lugares do mundo para ver a aurora polar. Esse fenômeno da natureza sempre maravilhou e instigou as civilizações. Foi batizado por Galileu Galilei, em 1619, e explicado posteriormente como o resultado da colisão de micropartículas emitidas pelo Sol (os chamados “ventos solares”) com a nossa atmosfera. Ao se aproximarem da Terra, elas convergem para as regiões polares, devido ao campo magnético de nosso planeta. No Hemisfério Sul, o fenômeno recebe o nome de aurora austral; no Norte, aurora boreal. As luzes dançantes, que podem durar até horas nos céus, são visíveis sobretudo no inverno, com bastante intensidade. São tão belas e procuradas pelos viajantes que, hoje em dia, diversas agências de turismo de Whitehorse oferecem programas especialmente para quem quer ver, fotografar e filmar o espetáculo.

Aurora Boreal | foto: divulgação

Niágara – O Canadá para o mundo

Distantes menos de duas horas de carro de Toronto, as Cataratas de Niágara são, certamente, uma das atrações turísticas mais famosas do planeta. Não é à toa que mais de 12 milhões de visitantes vão à área fronteiriça de Canadá e Estados Unidos todos os anos para ver o espetáculo das três grandes quedas d’água do Rio Niágara, que liga os lagos Erie (no lado americano) e Ontário (na porção canadense).

Pena que nem sempre os turistas saibam de tudo que há para curtir por ali e pelos arredores. Ao voltar pela segunda vez à região, depois de 15 anos, pude explorar de fato os atrativos locais e percebi o quão maior que uma “simples” queda d’água são as Niagara Falls. Para começar, as cataratas ficam praticamente dentro da cidade de mesmo nome. Dá para apostar seus dólares num cassino, fazer compras ou tomar um café com vista para a maravilha da natureza.

Cataratas do Niágara | foto: Paulo Mancha

Não é só isso. As formas de interagir com o fenômeno em si são as mais diversas. Uma das mais impressionantes é o Journey Behind the Falls. Trata-se de um complexo de túneis cuidadosamente esculpidos na rocha sob as Horseshoe Falls (a porção canadense das cataratas). Isso significa ser conduzido a pontos inatingíveis de outras formas, como o miolo da queda d’água.

Ao trilhar esses caminhos subterrâneos e se deparar com os inusitados mirantes, fiquei ensopado: a névoa criada por Niágara é inclemente! É verdade que, ao comprar o ingresso, você ganha uma aquelas capas de chuva amarelas celebrizadas em filmes e desenhos animados da TV. Mas só nas aventuras do Pica-Pau elas adiantam muito… O mesmo acontece se você decidir navegar até a garganta em si. O passeio no barco da empresa Hornblower Niagara Cruises dura 20 minutos e é tão divertido quanto molhado. Mas vale a pena pelo visual.

Um jeito mais seco de apreciar as Cataratas do Niágara é pelos céus. Algumas operadoras de tours oferecem o sobrevoo de helicóptero, com cerca de dez minutos de duração. Eu experimentei o da Niagara Helicopters e posso dizer que foi o ponto alto (sem trocadilho) da expedição, numa aeronave para seis passageiros, com audioguia que apresenta o que de mais bacana há pelo caminho, culminando nas quedas d’água em si.

O vinho que veio do frio

Se a cidade de Niagara Falls é agitada, cheia de gente, cassinos e restaurantes turísticos espalhafatosos, a 20 minutos dela existe um delicioso contraponto. Ele vai surgindo conforme se pega a estrada em direção ao norte. O frenesi fica para trás e despontam os cenários bucólicos da região vinícola mais importante do país: Niagara-on-the-Lake.

Você nunca ouviu falar dos vinhos canadenses? Tudo bem, a produção é módica e acaba sendo consumida ali mesmo ou nas grandes cidades do país, com raríssimas garrafas sobrando para cruzar fronteiras. A qualidade, contudo, é digna de exportação. Isso por causa de fatores como o microclima de nuances mediterrâneas, o solo excelente para uvas como Pinot Noir e Cabernet Franc e a latitude ótima – a mesma dos vinhedos de Bordeaux, na França.

Assim, ao longo do tempo, 27 vinícolas se estabeleceram por ali, a maioria delas familiar e de pequeno porte, mas quase todas abertas à visitação, com direito a degustação, passeios pelos vinhedos, cursos, loja e ótimos restaurantes. O mais notável produto da região é o ice wine, vinho de sobremesa produzido a partir de uvas propositalmente congeladas ainda nos vinhedos e, depois, submetidas a fermentação em baixíssimas temperaturas.

Na visita que fiz à Peller Estates Winery, fui surpreendido por uma incursão pela “10 Below”, nome da sala de degustação mantida a 10ºc abaixo de zero, onde você prova um dos mais célebres ice wines do mundo. No restaurante da propriedade, o chef Jason Parsons prepara iguarias como o Icewine Chicken Liver Parfait, uma entrada feita com fígado de galinha e vinho, servida como se fosse um sorvete. Parece estranho, mas é sublime.

Sala de Degustação 10 Below | foto: Paulo Mancha

Quem quiser aprender a criar essas extravagâncias culinárias pode recorrer à Strewn, outra tradicional vinícola, cuja sede fica em um edifício histórico dos anos 1930. Ali, os proprietários Joe e Jane Langdon operam uma escola de gastronomia, com aulas informais e divertidas, versando sobre as tradições da comida local. Isso para não falar na Ravine, a mais alternativa das bodegas de Niágara, a despeito de sua idade – ela fabrica uma sidra mais antiga que o próprio país, que acaba de completar 150 anos de sua emancipação. Ali, tudo é orgânico e biodinâmico. Não só as uvas, mas também os produtos servidos no seu premiado restaurante. Tanto que virou atração turística percorrer as hortas e a criação de animais da vinícola.

A cidade cobiçada
Os vinhos preciosos, as paisagens idílicas e o clima ameno (bem menos frio que o de Toronto, por exemplo) fazem de Niagara-on-the-Lake um foco de visitação 12 meses por ano. A cidadezinha de 17 mil habitantes se transformou em destino certo de canadenses e estrangeiros em busca de paz, boa gastronomia, cultura e história.

Raríssimas vezes vi um lugar tão florido e arborizado. Fundada em 1792, ela foi palco de batalhas decisivas na Guerra Anglo-Americana de 1812, quando os vizinhos dos Estados Unidos a invadiram. Os canadenses não deixaram barato e a retomaram após uma violenta batalha. Dessa guerra, restaram pontos marcantes, como o Forte George, hoje convertido em museu, e o Navy Hall, onde funcionou o primeiro parlamento da província. Um justo tributo a esta que foi a primeira capital do chamado Upper Canada (a atual província de Ontário). Também sobreviveu à guerra a determinação de seu povo de transformá-la em um recanto ainda mais especial do que já era. Seu casario colonial georgiano passou a atrair manifestações artísticas de todas as searas no século 20.

Desde 1962, a cidadezinha é palco do Shaw Festival – maior encontro artístico do mundo dedicado à obra do dramaturgo Bernard Shaw. E nos últimos 30 anos, dezenas de filmes foram rodados em suas ruas, entre eles Encurralados no Paraíso (1994), com Nicolas Cage, e Amelia (2009), com Hilary Swank e Richard Gere. Descobri tudo isso em um romântico passeio de charrete, oferecido pela Sentineal Carriages, que perpassa os cantinhos mais belos ou historicamente significativos com a serenidade que é devida a esse lugar.

Vale muito a pena fazer esse passeio antes de se entregar aos mimos de hotéis cheios de glamour, como o Prince of Wales ou o Charles Hotel. O primeiro enseja uma viagem ao passado. Foi erguido em 1864 e remodelado em 1901, quando se tornou uma hospedaria de primeira classe, repouso certo de autoridades e nobres que visitavam a região. Inclusive do então Príncipe de Gales (daí o nome do hotel) que, ao voltar à Grã-Bretanha, seria coroado como Rei George V. A decoração de época, as obras de arte, os quartos amplos, repletos de histórias, e a piscina subterrânea fazem do Prince of Wales Hotel uma atração por si só em Niagara-on-the-Lake.

Hotel Prince of Wales | foto: shutterstock

Já o Charles Hotel não fica atrás, esbanjando charme em sua construção de 1832. Ali, fiz minha derradeira refeição em Niagara-on-the-Lake, desfrutando da cozinha do seu restaurante principal, o HobNob – citado à exaustão nos guias de viagem e de gastronomia. No comando, um garotão tatuado, com piercings nas orelhas e olhar compenetrado: o chef executivo Steve Sperling. Com um sorriso característico de quem sabe que vai agradar, ele me serviu uma entrada delicadamente  preparada com foie gras e crosta de maple syrup – o xarope de bordo, árvore cuja folha é símbolo do país. A harmonia de ambos os ingredientes é perfeita: Steve é a síntese de Niagara-on-the-Lake e desse Canadá orgulhoso de suas tradições, mas contemporâneo e de olhos no futuro.

Viagem a convite de Canadian Tourism Commission

 

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