Do alto do avião, quando o azul profundo do Atlântico parecia cada vez mais próximo e as luzes da Ilha da Madeira surgiram pontilhando as encostas escarpadas, senti o meu coração pulsar vigorosamente.
Entre um aviso para apertar os cintos e endireitar o assento, escaneava mentalmente a imensidão do oceano pela janelinha. Será que o navio dos meus avós passou por aqui? Será que estavam felizes quando deixaram a minúscula ilhota para trás rumo a um país desconhecido – e tão estranho a eles?
Ilha da Madeira: a terra de Cristiano Ronaldo
Correndo o risco de soar generalista, diria que a maioria dos brasileiros conhece a Ilha da Madeira por dois únicos motivos: ou por ser a terra de Cristiano Ronaldo, um dos maiores fenômenos do futebol dos últimos tempos (desculpa, Neymar), ou por ter algum antepassado na família que emigrou da ilha portuguesa para o Brasil.
Com a esperança de uma vida mais próspera e promessa de trabalho farto, em uma Europa bagunçada por guerras, milhares de madeirenses atravessaram o Atlântico e se estabeleceram no Brasil, principalmente no estado de São Paulo, ao longo dos séculos 19 e 20.
Portanto, para quem se encaixa no segundo grupo, como eu, uma viagem à Ilha da Madeira vai muito além de se impressionar com os belos cenários desse destino. Afinal, ela ganha contornos familiares (muito por culpa do sotaque saboroso, ainda mais carregado de chiados que o dos portugueses continentais) e de reencontro. Mas mesmo se esse não for o seu caso, esta pequena porção de terra boiando no Atlântico tem paisagens naturais tão belas que você vai se perguntar: por que nunca pensei em vir para cá antes?
Natureza em estado bruto
Se não estivesse tão mergulhada nos devaneios da minha árvore genealógica, provavelmente a emoção da chegada estaria mais ligada ao frio na barriga no pouso no Aeroporto Cristiano Ronaldo (como poderia ter outro nome?). A pista é considerada uma das mais difíceis e perigosas do mundo, devido aos ventos fortíssimos que chicoteiam com frequência a ilha – os pilotos dessa rota devem possuir uma licença de voo especial.
A brutalidade da natureza é, aliás, uma constante na vida por ali. Saído das profundezas do Atlântico após uma erupção vulcânica, o arquipélago se encontra a cerca de mil km de distância de Lisboa e 500 km da costa africana. É formado por oito ilhas, porém apenas duas são habitadas: Madeira e Porto Santo (ficam a apenas 40 km uma da outra).
Elas permaneceram intocadas por milhares de anos, até os portugueses aportarem oficialmente no século 15. Ficaram encantados com o clima ameno, a terra fértil e a posição estratégica para as rotas das grandes navegações. Então, a região começou a ser povoada apesar do terreno desafiador: penhascos pontiagudos à beira-mar, com encostas íngremes que parecem desafiar a lei da gravidade.
Trilhas em parques naturais
Prova viva desse esforço de adaptação são as levadas. Construído no século 16, esse sistema de irrigação utiliza canais escavados na rocha para levar a água do lado norte para o sul da ilha. Hoje elas ainda cumprem essa função, mas também delimitam trilhas muito populares que levam o caminhante por cenários incríveis dentro dos parques naturais. São mais de 3 mil km de levadas e veredas. Ou seja, haja panturrilha para encarar tanto sobe e desce!
Como chegar à Ilha da Madeira
A Ilha da Madeira fica a cerca de mil km de Lisboa. Para chegar até lá, dá para embarcar em um dos vários cruzeiros que têm a ilha em seu itinerário. Porém, a maneira mais rápida é de avião: o voo, saindo da capital portuguesa, dura cerca de duas horas até o aeroporto internacional de Funchal, que também recebe frequências de outras cidades europeias. Se voar de TAP, dá para esticar a viagem para Lisboa ou ao Porto, aproveitando o stopover (conexão estendida) gratuito de cinco dias que a companhia oferece.
Programe-se para ficar pelo menos três dias inteiros na Madeira. Dessa forma, é possível reservar um dia para conhecer Funchal, a maior cidade; outro para desbravar o lado norte, com suas incríveis piscinas naturais; e, por fim, um terceiro dia para as belezas naturais do lado sul. Entretanto, se a ideia for fazer trilhas (há muitas!), passeios de barco ou curtir as praias, acrescente mais uns dias. A grande maioria dos hotéis se concentra no centro de Funchal, que é a base ideal para fazer os passeios ao redor da ilha.
Então, para circular por ali, a melhor maneira é combinar taxi (não existe Uber e não aceitam pagamentos com cartão de crédito) com receptivos que façam tours aos locais mais distantes – alugar carro pode ser uma opção, mas exige muito cuidado do motorista por causa das estradas íngremes e estreitas.
Funchal
Funchal é a porta de entrada para os visitantes: seja pelo aeroporto internacional ou pelo porto, que recebe centenas de navios de cruzeiros durante o ano. É a maior cidade da ilha, onde mora quase 50% da população. Além disso, há um curioso clima britânico no ar, pois os ingleses, além do longo histórico de relações comerciais com a Madeira, são os principais turistas que visitam a ilha, sobretudo para fugir dos rigorosos invernos. No luxuoso Belmond Reid’s Palace, mais famoso cinco estrelas dali, é servido um legítimo chá das cinco – mais british, impossível.
Enquanto isso, o simpático centrinho de Funchal também não nos deixa esquecer que estamos em uma cidade europeia (mesmo estando mais próxima da África do que da Europa): limpo, seguro, charmoso, arborizado, com amplos calçadões para pedestres e até as onipresentes fast-fashions do Velho Continente (sim, tem H&M e Zara por lá).
Compras e outros passeios na Ilha da Madeira
Mas se for para fazer comprinhas, os euros investidos (me) parecem ganhar mais significado na Bordal, a fabricante oficial dos bordados da Madeira. Talvez influencie a minha opinião o fato de minha avó ter sido uma dessas bordadeiras.
Porém, esse delicado trabalho é uma tradição passada de geração em geração entre as mulheres madeirenses há mais de 200 anos – ou seja, um verdadeiro patrimônio. De tão artesanal, uma toalha de mesa pode levar um ano para ficar pronta e chega a custar € 3 mil.
Por outro lado, há itens menores, como lencinhos ou sapatinhos de bebês (fofíssimos) por € 15, em média. Até hoje, as peças, reconhecidas por sua alta qualidade, são produzidas por bordadeiras dos vilarejos (senhorinhas, em sua maioria) e vendidas na sede da Bordal, no centro de Funchal – possuem até selo de autenticidade. Enquanto isso, no mesmo prédio, funciona um pequeno e interessante museu sobre o artesanato.
Uma parada no mercado
Continuando a caminhada pelas ruazinhas do centro histórico, a parada no Mercado dos Lavradores faz qualquer um se sentir logo em casa, com a gritaria dos comerciantes, as barracas forradas de frutas e os aromas de ervas e flores no ar. Se for comprar algo, atenção aos preços, que costumam ser inflacionados, uma coisa meio “para gringo ver”.
Por fim, vá até a peixaria para ficar cara a cara com o peixe-espada-preto, com certeza um dos mais feios do mundo. Porém, o que tem de feiura, tem de gostoso, já que é presença obrigatória nos pratos mais típicos da Madeira, como, por exemplo, o filé empanado servido com banana ou no sandes (sanduíche).
Carros de cesto: diversão garantida
Mas tirando o centro, pouco de Funchal fica ao nível do mar. O exemplo mais divertido dessa realidade vertiginosa é a descida das ladeiras da freguesia do Monte nos tradicionais carros de cesto. Antigamente utilizado pelos nobres do pedaço, hoje eles levam turistas, que embarcam nos cestos de vimes/trenó e são conduzidos morro abaixo por dois homens, os “carreiros” (€ 25 por pessoa).
O freio? Apenas as botas com um grosso solado de borracha dos condutores, que empurram, manobram e correm com os cestos. São apenas dois km de trajeto, com direito a muitas curvas fechadas que, certamente, revelarão lindas vistas da cidade a cerca de 40 km/h.
Para chegar ao ponto de partida dos cestos, uma boa combinação é subir até lá de teleférico (a partir de € 11), que parte do centro. Na viagem de 20 minutos, os bondinhos vão subindo tão rentes à montanha, que permitem ao passageiro espiar os quintais das casas, as hortas floridas, as crianças correndo no pátio do colégio, os carros andando nas montanhas… Por fim, lá de cima, a 580 metros de altura, um belíssimo jardim botânico serve como camarote para observar o Atlântico e a cidade.
Pico do Areeiro
Porém, se a ideia for subir ainda mais, o Pico do Areeiro é um dos mais altos, com 1.818 metros de altitude. Por ficar bem na parte central da ilha, proporciona um panorama geral de tirar o fôlego. Foi o que nos disseram (mas acredito): após acordarmos de madrugada e serpentear por estradas coladas ao abismo, chegamos lá com uma densa névoa e chuva cobrindo a paisagem. O guia, desapontadíssimo, contou que no dia anterior o nascer do sol fora incrível. Na Madeira é assim: o tempo vira em um segundo. Por isso, cheque sempre a previsão!
Lado Norte da Ilha da Madeira
Lembra da natureza bruta que falava acima? Então, ela fica ainda mais evidente conforme saímos de Funchal e começamos a explorar os seus extremos. O território tem míseros 57 km de comprimento e 22 de largura, o que significa que não é difícil ir de ponta a ponta em um único dia – mas não faça isso! Afinal, é preciso ao menos um dia para explorar cada lado da ilha.
Seguindo ao norte por estradinhas panorâmicas e túneis perfurados nas montanhas, a grande atração são as piscinas naturais de Porto Moniz. Rochas vulcânicas se transformam em piscinas preenchidas pela água do mar. Ela entra ali após as ondas arrebentarem com violência nas pedras. O homem deu uma “forcinha”, fechando alguns pontos e calçando o piso.
É um espetáculo assistir a esse entra-e-sai sem fim, com direito a muita espuma, estrondos poderosos e espirros que sobem alto. E não é só para ver. Afinal, dá para se banhar nas piscinas, que contam com uma estrutura de banheiros, vestiários e escadas.
Lado Sul da Ilha da Madeira
A parte sudoeste, por sua vez, ostenta a maior parte das paradas turísticas. Portanto, comece pelo Cabo Girão, o promontório mais alto da Europa, com 580 metros de altura. Na pontinha da falésia, há uma plataforma de vidro que permite enxergar o abismo se abrindo embaixo da sola dos pés. Ali do lado, fica a Câmara de Lobos, vilarejo pontilhado pelos barquinhos coloridos de pescadores – o ex-primeiro ministro britânico, Winston Churchill, quando esteve ali em 1950, encantou-se por essa paisagem, pintando-a em um dos quadros.
Acessível apenas de barco ou de teleférico (€ 10 o trecho), Fajã dos Padres é considerado um daqueles segredos guardados pelos locais. Representa muito bem a combinação louca de mar e montanha que é a marca registrada da Madeira. Por fim, isolada no sopé de um paredão de pedra de 300 metros de altura, encontra-se uma pequena enseada, forrada por pedras e algumas casas. Protegido pela sombra das palmeiras, há ali um único restaurante, que serve deliciosos pescados, trazidos fresquíssimos à mesa.
Ponta de São Lourenço
Para quem ama caminhar, a Ponta de São Lourenço, no extremo sudeste, é um dos trekkings mais bonitos. Exatamente no “fim” da ilha, a paisagem muda completamente, lembrando as falésias costeiras e planícies da Irlanda ou Escócia, com sua amplitude e vegetação rasteira. São quatro km de trilha moderada, com cerca de duas horas e meia de duração.
Por estar bem na pontinha da Madeira, a localização da região permite visualizar com clareza as diferenças de clima de cada lado da ilha: ao olhar na direção norte, o tempo, em geral, está nublado com chuva (por causa das correntes vindas do Atlântico); na sul (que recebe correntes quentes vindas da África), céu azul e sol brilhando. Chega a ser engraçado.
No fim da viagem, depois de dias ensolarados no inverno da Madeira (com um pouco de chuva, é verdade), fiquei pensando em todos os motivos que levaram os meus avós a deixarem sua terra para trás. E quanto a mim, só conseguia imaginar todos os motivos que tinha para voltar.
SABORES DA ILHA DA MADEIRA
Três especialidades da gastronomia local que você tem de experimentar:
PONCHA
É a bebida oficial da Ilha. Lembra uma caipirinha feita de rum, limão e laranja. Dizem curar de resfriado a dor de amor.
BOLO DO CACO
Trata-se, na verdade, de um pão achatado feito com batata doce. Nos restaurantes, é servido como acompanhamento e chega quentinho à mesa
VINHO DA MADEIRA
Bem licoroso e docinho, lembra muito o vinho do Porto. Porém, em vez de envelhecerem em cavas subterrâneas e frias, ficam em galpões a cerca de 30 °C
Na rota dos cetáceos
Situada em pleno Oceano Atlântico, a Ilha da Madeira é visitada ao longo do ano por diversas espécies de golfinhos e baleias, além de ser residência de algumas delas (como a baleia-piloto e o golfinho-roaz, por exemplo). E o melhor: é possível avistar os animais bem perto da costa, sem precisar ir muito para alto-mar. As empresas especializadas no passeio de barco garantem que a chance de ver os animais é de 95% – e muitas dão o segundo passeio caso eles não apareçam.
Onde se hospedar na Ilha da Madeira
Quinta da Bela Vista
Instalado em um casarão de 1844, este hotel-butique tem ares aristocráticos. Móveis coloniais, escadaria de mármore e tapetes nos corredores criam um ambiente tão elegante quanto aconchegante. De quebra, tem um amplo jardim, que dá um ar rural-chique. Além disso, o Quinta da Bela Vista fica a pouco mais de dois km do centro do Funchal, no alto de uma colina, em uma área mais residencial. Caminho do Avista Navios, 4. Clique aqui para ver fotos do hotel e o preço da diária.
The Cliff Bay
Situado no alto de uma rocha à beira do mar, com vista para a cidade, O The Cliff Bay possui uma das posições mais privilegiadas de Funchal. Com 202 quartos, o cinco estrelas impressiona pela majestosa piscina e por ser a casa do restaurante Il Gallo d’Ouro, com duas estrelas Michelin. Por fim, o spa também tem uma ampla gama de tratamentos, com saunas variadas e hidromassagens. Estrada Monumental, 147, Funchal. Clique aqui para ver fotos do hotel e o preço da diária.
Belmond Reid’s Palace
Trata-se do cinco estrelas mais icônico da Madeira. Construído em 1891, o Belmond Reid’s Palace já recebeu hóspedes ilustres como, por exemplo, o ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill – aliás, é possível se hospedar no quarto dele. Não bastasse o clima luxuoso, sua localização, em uma falésia às margens do oceano, é de tirar o fôlego. Possui três restaurantes, entre eles o William, com uma estrela Michelin, e uma unidade do badalado italiano Villa Cipriani. Estrada Monumental, 139, Funchal. Clique aqui para ver fotos do hotel e o preço da diária.
Onde comer na Ilha da Madeira
A Montanha
O carro-chefe é a espetada, típico “churrasco” madeirense. Estrada Conde Carvalhal, 321.
Cristalina Chique
No melhor estilo “pé-sujo”, esta lanchonete no centro de Funchal é o lugar para experimentar os tradicionais “sandes” (sanduíches) recheados com peixe-espada ou polvo. Peça também pela Brisa, refrigerante local com sabor de maracujá ou maçã verde. Largo dos Lavradores.
Il Gallo d’Oro
Único dois estrelas Michelin da ilha, o restaurante fica dentro do hotel The Cliff Bay. Comandado pelo chef francês Benoît Sinthon, o cardápio tem inspiração ibérica e mediterrânea, com uso de ingredientes locais. Estrada Monumental, 147, https://bit.ly/3tDtPfn.
Restaurante do Forte
Está localizado dentro da Fortaleza São Tiago, construção do século 17 à beira-mar. Sendo assim, é o local para um jantar mais elegante, com cardápio refinado. Destacam-se os pratos com peixes e carnes nobres, como pato e vitela. Rua do Portão de São Tiago, forte.restaurant.
Uva
Dentro do descolado hotel The Vine, tem uma proposta mais cool, com culinária contemporânea elaborada e excelente carta de vinhos. Enquanto isso, a área ao ar livre, ao lado da piscina, esbanja vistas lindas de Funchal. Rua dos Aranhas, 27, hotelthevine.com.
Mais informações sobre a Ilha da Madeira
Moeda: Euro (€). € 1 = R$ 6,42
Fuso horário: + 4h
Quando ir
Na Ilha da Madeira, o clima subtropical oceânico garante temperaturas amenas ao longo do ano todo. Os termômetros caem de 25 °C na primavera-verão (maio a setembro) a 15 °C no inverno, meses que também costumam ser mais chuvosos (outubro a março). Entretanto, se a ideia for pegar praia, é melhor vir durante o verão.
Caminho certo
Latam, TAP e Azul (Viracopos) voam direto para o aeroporto de Lisboa (LIS). Com conexão, voam Air France, Lufthansa, Alitalia, Iberia, KLM, British, Swiss, Air Europa, Turkish e Air Maroc.
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