Providência básica para tomar antes mesmo de botar os pés em Chicago: deixe as comparações com outras cidades de lado. Eu sei que você vai ter lido em vários lugares que ela é “uma Nova York menor”, uma Nova York isso, uma Nova York aquilo. E eu também sei que talvez você se pegue inevitavelmente pensando que parece mesmo com Nova York – mais organizada, mais bonita, menos agitada, menos cosmopolita, enfim.



Agora, se você faz mesmo questão de associar Chicago com alguma coisa, então digamos que ela é um blues – e aí tudo bem, porque foi aqui que o ritmo ganhou vida e depois o mundo, especialmente nas vozes de Muddy Waters e Buddy Guy. Feito uma canção de blues, Chicago é viva, emocionante, vibrante. Mas também pode ser melancólica em um dia de inverno ferrado, daqueles que batem recordes de 30 °C negativos. O apelido de Windy City (Cidade dos Ventos), porém, não vem do vendaval que, canalizado entre os arranha-céus, de fato faz baixar a sensação térmica. Dizem que vem do termo em inglês hot air – ar quente –, usado para definir papo-furado, balela, mentira. No caso de Chicago, aquelas contadas por políticos (e você achando que isso era um problema só nosso…).

Comparações dispensadas, não há jeito mais eficiente de conhecer Chicago do que começar justamente pelo que ela tem de melhor: a arquitetura, que é também seu cartão de visitas e seu cartão-postal. Quando dizem que todo fim é marcado por um recomeço, acredite. Chicago está aí para provar. Isso porque um grande incêndio destruiu quase toda a cidade em 1871, provocando um replanejamento urbano empreendido por arquitetos de renome, como Frank Lloyd Wright. Esse movimento ficou conhecido como Escola de Chicago e é famoso pelo uso de aço e vidro em lugar de madeira. Isso trouxe harmonia e equilíbrio estético aos novos prédios, que passaram a ser cada vez mais altos. O resultado hoje é que, ainda que cada um tenha seu estilo, o conjunto da obra é único e homogêneo. Todo ângulo é um clique, e olhar para cima é sempre uma surpresa.

 

Maquete no Chicago Architecture Center
Maquete no Chicago Architecture Center (foto: shutterstock)

 

Para entender melhor esse movimento, é imprescindível visitar o novo Chicago Architecture Center. Inaugurado em agosto à beira do verdíssimo Rio Chicago, a sede dessa instituição cultural tem exibições multimídia, que incluem painéis informativos sobre cada bairro, os principais arquitetos e obras em andamento, como a arrojada Obama Foundation (o ex-presidente fez carreira política na cidade). No primeiro andar do centro, o destaque é a grande maquete que reproduz 5% da área urbana de Chicago, com mais de 4 mil construções feitas em impressora 3D. Ali dá para ter uma boa noção de como a cidade se distribui em volta do Lago Michigan e de como o Rio Chicago a corta. Recursos interativos permitem localizar os prédios mais icônicos apertando botões que os iluminam. E há também uma reprodução de como o incêndio de 1871 foi se alastrando a partir de um estábulo de madeira (diz a lenda que uma vaca teria derrubado uma lanterna, causando dois dias de fogo e cerca de 300 mortes em um verão anormalmente seco e quente).

O segundo andar dá vistas lindas para edifícios vizinhos, como a Tribune Tower, o Wrigley Building e a loja-conceito da Apple. Nesse piso, fica uma galeria com modelos de 23 arranha-céus icônicos da cidade e do mundo – o ponto alto é a futura Jeddah Tower que, com mais de mil metros e desenhada por um escritório de arquitetura de Chicago, será o maior prédio do mundo, localizada na Arábia Saudita. O Chicago Architecture Center organiza ainda vários tours para explorar a cidade, sejam a pé, de ônibus ou de barco. Esta última opção é bastante interessante, percorrendo três braços do Rio Chicago ao longo de uma hora e meia. Uma vez a bordo da embarcação First Lady, você verá as torres Willis e John Hancock dominando o horizonte vez ou outra.

Outro jeito de ver o skyline da cidade é navegando também, mas agora pelo Lago Michigan. Exclusivos e com precinhos mais salgados, os veleiros da empresa Come Sailing fazem passeios privativos de duas horas. Eles saem do Monroe Harbor e vão contornando a orla até o Navy Pier, complexo de entretenimento com pegada familiar que reúne restaurantes, parque de diversões, cinema, teatro, Museu da Criança e beer garden. Do Navy Pier saem também tours de barco mais econômicos, podendo incluir jantar a bordo, operado por empresas como Mystic Blues, Spirit of Chicago e Tall Ship Windy.

 

Chicago: dicas práticas

 

Edifício John Hancock e praia no Lago Michigan
Edifício John Hancock e praia no Lago Michigan (foto: shutterstock)

 

Chicago fica no estado de Illinois, no Meio-Oeste americano, e está a duas horas e meia de voo a partir de Nova York – mas também recebe voos diretos do Brasil com a United. Hoje com cerca de 3 milhões de habitantes, ela já foi a segunda maior cidade do país – daí o apelido de Second City. Fica à beira do Lago Michigan e é cortada pelo Rio Chicago, concentrando seus atrativos turísticos principalmente na região conhecida como Loop, que também corresponde ao centro financeiro e tem a Michigan Avenue como principal artéria. É onde ficam a Willis Tower, o Art Institute of Chicago e o Millenium Park, por exemplo. Por conta dos invernos rigorosos, existe uma verdadeira cidade subterrânea – a chamada Pedway, um complexo de túneis que se estende por cerca de 40 quarteirões, interligando hotéis, edifícios e estações de trem. Boa parte dos caminhos é tomada por lojas e restaurantes. Para se locomover por Chicago, os trens urbanos conhecidos como L percorrem, em sua maioria, trilhos elevados que passam por entre os prédios e compõem o cenário típico da cidade. O bilhete avulso custa US$ 2,50; o diário ilimitado sai por US$ 10; e o de três dias, US$ 20. A cidade conta também bondinhos gratuitos que circulam pelo Navy Pier e partes do Loop. Para aproveitar os pontos turísticos com desconto e prioridade de acesso, é interessante comprar o City Pass, que engloba o Shedd Aquarium, o Skydeck (mirante da Willis Tower), o Field Museum, o Adler Planetarium ou o Art Institute e o Museum of Science and Industry ou o 360 (mirante do John Hancock Building). Custa US$ 106, o que gera uma economia de 51% se fosse comprar todos os ingressos avulsos.

 

O que fazer em Chicago

 

De cima, é claro que Chicago também mostra suas belezas. Os dois arranha-céus mais famosos da cidade têm suas atrações de peso nas alturas. Da década de 1970, a Willis Tower (antiga Sears) parece ser formada por várias torres grudadas e, com seus 442 metros, foi o prédio mais alto dos Estados Unidos até a inauguração do novo World Trade Center, em Nova York. Aos turistas, o que interessa é o mirante Skydeck, no 103º andar. A fila para subir, vale dizer, costuma ser grande, podendo levar mais de duas horas – por isso é bom ter em mãos o City Pass, que dá prioridade de acesso (leia mais no quadro “Entendendo Chicago”). Lá em cima, além da vista, o grande apelo é o The Ledge, que são como cabines inteiras de vidro projetadas para fora do prédio – ou seja, você olha para baixo e vê toda a cidade sob seus pés, o que garante boas doses de frio na barriga e de fotos incríveis.

 

The Ledge. na Willis Tower
The Ledge. na Willis Tower ( foto: divulgação)

 

O outro arranha-céu aberto para turistas é o John Hancock Building, o quarto mais alto da cidade. Em seu 94º andar fica o 360 Chicago Observation Deck, que tem a vista panorâmica mais bonita. E também sai feliz quem quer um pouco de emoção: pago à parte, o Tilt é uma plataforma de vidro que inclina lentamente 30 graus para fora do prédio, deixando o visitante quase de cara para o chão lá embaixo. O prédio fica na Magnificent Mile, trecho da Michigan Avenue que é conhecido como o principal lugar para compras em Chicago. Ali estão todas as lojas mais populares que você espera encontrar nos Estados Unidos, como Macy’s, Saks, Best Buy, H&M, Forever 21 e Zara, por exemplo, além de shoppings e vitrines grifadas.

Mais um assunto onipresente em Chicago é arte. Nesse sentido, é indispensável visitar o Art Institute of Chicago, segundo maior museu do país, atrás do Met de Nova York (veja bem, não é uma comparação, é apenas para dar uma ideia da grandeza do negócio). Coroada por dois imponentes leões de bronze na fachada, a ala antiga ganhou reforço há dez anos com o anexo moderno desenhado pelo arquiteto italiano Renzo Piano – o mesmo que desenhou o Centre Georges Pompidou de Paris e o arranha-céu Shard de Londres. Dono de uma riquíssima coleção de arte impressionista, o instituto tem muitas obras de Monet, Renoir, Degas e Manet. A ala moderna e contemporânea também dá show, com trabalhos de Picasso, Dalí e Andy Warhol. Arte islâmica, asiática, têxtil, americana e clássica são outros temas muito bem cobertos. Destaque ainda para a curiosa coleção de cômodos em miniaturas que reproduzem aposentos residenciais de diversas épocas e lugares do mundo nos mínimos detalhes.

Para arejar conceitos, vale visitar o Museum of Contemporary Art (MCA), que sediou a primeira exposição de Frida Kahlo nos Estados Unidos. Bem naquele estilo “brisa”, o acervo tem cerca de 2.500 peças datadas desde a década de 1920. As exposições temporárias costumam cobrir todo formato de arte, desde pinturas em tela até obras com óculos de realidade virtual. O passeio ganha sabor se combinado a uma refeição no novo restaurante do museu, o Marisol. Sendo domingo, aproveite para tomar o brunch – o Gravlax Platter é gracioso de ver, com salmão marinado, ovo, picles, cream cheese e bagel.

Ainda mergulhando no tema cultura (e principalmente se estiver com crianças), considere esticar até o Museum Campus, um parque à beira do lago que reúne três instituições de peso. Ali está o Field Museum, de história natural, com dioramas de mamíferos, hall de pedras preciosas, tumba e múmias egípcias de 5 mil anos e alas sobre a evolução do planeta. A grande estrela aqui é Sue, o esqueleto de tiranossauro mais completo do mundo, com 13 metros de comprimento e quatro de altura. Ela ganhou recentemente a companhia de Maximo, maior dinossauro já encontrado, com quase 40 metros de extensão. O Shedd Aquarium, por sua vez, é lar para cerca de 32 mil animais de 1.500 espécies, como baleias beluga e golfinhos, que podem ser vistos através de túneis subaquáticos. Outra atração do aquário é o Wild Reef, que simula um recife onde habitam mais de 30 tubarões: janelas curvas colocam os visitantes cara a cara com eles. Já o Adler é o primeiro planetário do país e tem teatros e observatório, além de exposições sobre a chegada à Lua, o sistema solar e o universo. Subindo em direção ao norte da cidade, o Museum of Science and Industry é o maior do gênero no Ocidente e tem simulador de tornado, um submarino alemão da Segunda Guerra e maquete que reproduz uma viagem de trem através dos Estados Unidos, com 500 réplicas em miniatura que vão de Chicago a Seattle.

No quesito arte pública, Chicago também faz bonito. A obra mais icônica fica no Millenium Park, o pulmão verde da cidade. A enorme escultura em formato de feijão (daí o apelido The Bean) com 110 toneladas atende pelo nome de Cloud Gate e é obra de Anish Kapoor. Feita de aço inoxidável, sua superfície reflete o céu e os prédios ao redor, rendendo alguns dos cliques mais famosos. Outra instalação a ser vista é a Crown Fountain, videoescultura formada por um espelho d’água e duas torres estampadas com imagens do rosto de diversos moradores locais. No parque fica também o Jay Pritzker Pavilion, concha acústica projetada pelo arquiteto Frank Gehry. Com espaço para mais de 10 mil pessoas sentadas ou no amplo gramado em frente, o palco ao ar livre sedia shows e festivais de música no verão, sempre gratuitos.

 

Crown Fountain
Crown Fountain (foto: divulgação)

 

Andar pelas ruas de Chicago, especialmente na região do Loop, também é garantia de se deparar com obras renomadas a céu aberto. Na Brunswick Plaza, por exemplo, fica a Miró’s Chicago, escultura de uma mulher de aço, concreto, bronze e cerâmica encomendada ao artista catalão Joan Miró em 1981. Picasso surge com uma escultura sem nome e sem formas definidas na Daley Plaza. Na Chase Tower Plaza, um bloco de concreto sustenta o mosaico Four Seasons, de Marc Chagall. Já grafite é no Wabash Arts Corridor, uma área ao longo de dez quadras na zona universitária de South Loop, onde se espalham cerca de 40 murais de street art. A iniciativa é da Columbia College, que promove tours guiados e fornece mapa para seguir os trabalhos.

 

Onde comer em Chicago

 

Deep dish pizza do Lou Malnati's
Deep dish pizza do Lou Malnati’s (foto: shutterstock)

 

Chicago é cheia de particularidades gastronômicas e você não poderá ter dito que esteve aqui se não provar quatro de suas especialidades. Comece com a famosa deep dish pizza, que mais parece uma torta, com borda bem alta e megarrecheada com queijo, molho de tomate e outros ingredientes. Você vai ver muitos lugares com placas na frente anunciando essa bomba calórica altamente instagramável (especialmente quando o queijo estica na hora de cortar), mas os mais certeiros são o Lou Malnati’s, o Giordano’s e o Labriola.

Outra iguaria local é o cachorro-quente ao estilo de Chicago, com salsicha bovina, picles, sal de aipo, pimenta, cebola, mostarda e tomate no pão com sementes de papoula. É a especialidade de várias barraquinhas de rua, como as do Millenium Park, além de lanchonetes como a Portillo’s. Ainda falando em sanduíches, o Italian beef é como a nossa boa e velha carne louca – pão com carne desfiada e pimentão –, que pode ser provado em lugares como o Jay’s Beef. Por fim, fazem sucesso as pipocas Garrett, nascidas em Chicago. São vários sabores, mas o mais famoso é o de cheddar com caramelo.

 

Restaurante Mirasol
Restaurante Mirasol (foto: shutterstock)

 

Um bom jeito de conhecer a diversidade culinária de Chicago são os food tours guiados da empresa Food Planet, que além de permitirem provar amostras de pizza, donuts, falafel, chá, chocolate e outras guloseimas, ainda exploram regiões como o Navy Pier, Chinatown, Downtown, West Loop, Bucktown e Wicker Park. Mas é claro que uma metrópole como Chicago não vive só de junk food. A cidade tem mais de 7 mil restaurantes, dos quais 22 levam estrelas Michelin – com sua cozinha sensorial, o Alinea é o único três estrelas. Nem tudo pesa no bolso. O Kurah, em South Loop, tem cardápio mediterrâneo com quibe, esfiha e falafel. O Fulton Market Kitchen é um ambiente descolado cheio de grafites inspirado na cena artística da Nova York dos anos 1980 e em Wynwood Walls, de Miami – legal para tomar drinques. O Proxi é moderninho, bom para bebericar, paquerar à meia-luz e compartilhar comidinhas que viajam pelo mundo, buscando inspiração asiática, mexicana, indiana…

 

The Aviary
Drink do The Aviary (foto: divulgação)

Cervejarias e destilarias artesanais também têm ganhado cada vez mais espaço em Chicago. A CH Distillery, no West Loop, tem bar de cara para as salas de destilação, de onde saem as vodcas e os gins que terminam no seu copo em forma de drinques criativos. Mas se você é do time da cerveja, corra para o bairro de Lakeview East, onde fica a DryHop, que oferece degustação de seus rótulos acompanhados de sanduíches, tacos e saladas. Outros lugares badalados para coquetéis são o The Aviary (reserve antes, os drinques cinematográficos são concorridos!) e o Roof on the Wit, no topo do hotel The Wit (portanto, com vista).

 

Beber, afinal, faz parte do estilo de vida em Chicago – desde os tempos de Lei Seca, quando bares clandestinos, os chamados speakeasies, pipocaram na cidade, quase sempre associados à máfia. Eram os anos 1920 e 1930, quando também o blues começou a tomar forma na noite local, vindo do sul dos Estados Unidos e ganhando vida e estilos próprios por aqui. Hoje, quem quiser ouvir um bom blues/jazz pode recorrer a lugares já não mais clandestinos, como o Green Mill, o B.l.u.e.s e o Buddy Guy’s Legends. Sentado ali vendo a banda tocar, você vai entender por que Chicago é como uma canção de blues.

 

Onde se hospedar emChicago?

The Blackstone

Recepção do hotel
Recepção do hotel (foto: shutterstock)

Se as paredes do The Blackstone falassem, elas teriam muitas histórias para contar, da política à máfia. Na atual região do Loop, o prédio foi inicialmente erguido como mansão para um magnata no fim do século 19, sendo convertido em hotel em 1910. Nos anos 1920, o gângster Al Capone frequentava a barbearia sem janelas do Blackstone, hoje usada como sala para reuniões de negócios. Em 1931, o salão de festas sediou uma convenção da máfia liderada por Charles Lucky Luciano, que queria eleger diretores para seu “sindicato do crime”. Em 1995, o hotel foi vendido para Maharishi Mahesh Yogi, o guru indiano dos Beatles, que falhou ao tentar transformar o prédio em apartamentos residenciais. Somente dez anos depois, um grupo hoteleiro compraria a propriedade, agora tombada como Patrimônio Nacional, e empreenderia uma grande renovação. O Blackstone reabriu em 2008 e hoje faz parte da bandeira de luxo da rede Marriott. São 335 quartos espaçosos e sofisticados, muitos com vistas excepcionais para o Lago Michigan. Também há quatro suítes históricas, como a presidencial, já frequentada por Harry Truman, Eisenhower e John Kennedy, ou a chamada “quarto da fumaça”, onde republicanos se reuniram nos anos 1920 para definir Warren G. Harding como candidato à presidência em meio a muito charuto. O hotel preserva os elementos históricos de sua arquitetura tombada, mas adiciona toques contemporâneos com arte que, entre antigas e atuais, soma 1.600 obras. No quinto andar, o Art Hall é como se fosse uma galeria aberta à visitação pública, com peças à venda que mudam de tempos em tempos. Quem não é hóspede também pode vir conhecer o restaurante Mercat a la Pranxa, inspirado em Barcelona e especializado em tapas espanholas.

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